Advogados das instâncias menores apelam diretamente ao STF por qualquer razão atropelando trâmites
"É por isso tudo que o Supremo Tribunal muito se honra, assim como o Poder Judiciário brasileiro, em inaugurar as adesões a essa campanha que tem como título "Acessibilidade – siga essa ideia". Acessibilidade também é a marca do Poder Judiciário no Brasil. Queremos cada vez mais estar abertos a todos, e que todos os brasileiros recebam igualmente a proteção da Lei."
MMª Juíza Ministra Ellen Gracie, Presidente do Supremo Tribunal Federal (2008)
Parece que recentemente os advogados resolveram tomar ao pé da letra as palavras da Senhora, então Ministra e Presidente do STF, seguindo a ideia lançada na campanha do Judiciário em 2008 e resolveram testar os limites desta acessibilidade propagada desde aquela época. Qualquer contrariedade encontrada pelos senhores defensores nas instâncias menores hoje se tornou razão para apelarem diretamente ao Supremo Tribunal Federal, por vezes com o atropelo dos trâmites legais imprescindíveis à manutenção da ordem normativa do processo legal no Estado Democrático de Direito. E isso com a aquiescência dos senhores Ministros do Supremo, sempre solícitos em atender-lhes as demandas.
A Operação Custo Brasil investiga um esquema de propinas que teria desviado cerca de 100 milhões de Reais no caso de empréstimos consignados feitos a funcionários públicos. O ex-Ministro do Planejamento Paulo Bernardo, foi preso em sua residência onde mora com a Senadora Gleisi Hoffmann, sua esposa, por suspeita de participação no esquema. Como era de se esperar seus advogados consideraram arbitrária a prisão de seu cliente e decidiram apelar da decisão.
Mas em vez de apresentarem os argumentos da defesa ao Juiz Federal da primeira instância que expediu o mandado de prisão, resolveram queimar etapas levando a apelação direto ao Supremo Tribunal Federal, sem sequer passar pelo Supremo Tribunal de Justiça ou mesmo pela segunda instância do Tribunal Regional Federal de São Paulo, onde o caso está sendo tratado. E parece terem feito bem, uma vez que o Ministro Dias Toffoli, designado para avaliar o caso, não só acatou o argumento do pedido de Habeas Corpus apresentado, como aproveitou para dar um puxão de orelhas em todos os Tribunais Regionais Federais que lançam mão do instrumento previsto na lei 12.403 de 2011.
Fato é que no despacho de soltura do investigado expedido autocraticamente pelo Ministro do Supremo os Juízes Federais Regionais são acusados sub-repticiamente de agirem contra a lei, quando submetem os investigados ao constrangimento ilegal (sic) de se verem presos preventivamente no curso das investigações, não reconhecendo o mérito judicatório atribuído pela lei aos juízes nas primeiras instâncias.
Com isso abre precedente para que os advogados de todos quantos foram ou vierem a estar presos nas mesmas circunstâncias recorram diretamente ao STF, desautorizando os Juízes Federais em suas atribuições com base no mesmo argumento do constrangimento, que aliás foi inspirado nas palavras da esposa do próprio investigado, proferidas mais cedo em entrevista à imprensa.
Talvez não fosse isso que a Ministra Ellen Gracie tivesse em mente quando proferiu o discurso no lançamento da campanha de acessibilidade ao judiciário. Que a justiça precisa estar acessível a todos indistintamente é uma prescrição constitucional, onde se dispõe sobre a igualdade de tratamento dos cidadãos perante a lei. Mas é justamente com base nesta igualdade de tratamento que o acesso precisa seguir os trâmites da legalidade, sob pena de reduzir toda a estrutura judiciária a mera espectadora das decisões tomadas autocraticamente pelos Supremos Juízes da instância superlativa.
Esperemos pois que o Plenário do Supremo não venha a sancionar a atitude intempestiva do Juiz menos experiente da Corte Suprema, pondo em risco toda a estrutura basilar do direito constitucional e que devolva o dever de emitir julgamentos ao Tribunal de origem, para que dali sigam adiante nos trâmites da legalidade, uma instância de cada vez, até a decisão final, quando então teremos senão a certeza, pelo menos a sensação de que a justiça foi cumprida em toda a sua plenitude.