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Justiça - O Senador e o Juiz

Judiciário afirma sua independência perante os demais poderes da República.

Delcídio Amaral

Normalmente eu evito o uso da primeira pessoa em meus artigos. Mas hoje me faço uma concessão. Preciso confessar que andava meio desiludido com as investigações sobre os caminhos da corrupção no país, das intermináveis fases em que a Operação Lava-Jato vinha sendo divididas, sempre com nomes apelativos e poucos resultados dignos da importância dos fatos apurados.

Sim, houve algumas prisões, mas as prisões poderiam ter acontecido a partir de investigações comuns, sem o aparato e o estardalhaço midiático da Lava-Jato. Enfim, havia a constatação de que as investigações estavam muito longe de chegar aos resultados esperados pela população, se é que se pode chamar ao festival de "deduragens" que a Polícia Federal vem promovendo de investigação.

Aliás, é sempre bom lembrar que a Lava-Jato deixou de ser uma investigaçãozinha comum por acaso, quando os investigadores de uma operaçãozinha de lavagem de dinheiro em postos de gasolina, meio sem querer, deram de cara com um Range Rover na garagem de um ex-diretor da Petrobrás. Um Range Rover que, diga-se de passagem, o tal ex-diretor nunca fez questão de esconder, até pelo contrário.

Como de costume, hoje (25/11) me sentei para ver as últimas do noticiário político-policial, já resignado à mesmice, esperando saber qual seria o nome criativo da próxima fase na infindável operação. Fui surpreendido com a notícia de que um Senador da República, em pleno exercício de seu mandato, foi preso pelos investigadores da Lava-Jato, com a devida autorização do Supremo, conforme exige a Constituição Federal, assinada por ninguém menos que o Ministro Teori Zavascki. Eu mal acreditei quando li. Tive de buscar diversas fontes antes de me certificar de que não havia entendido errado.

Nossos constitucionalistas, não satisfeitos em ratificar a famigerada imunidade parlamentar, decidiram acrescentar à Constituição a recomendação de que um Senador em exercício do mandato não pode ser preso, a não ser que seja pego em flagrante delito. Não adianta juntar provas incontestes de que um parlamentar tenha cometido algum ato ilícito no passado recente. Ele precisa ser pego cometendo um crime ainda em andamento e, mesmo assim, há de se convencer a um juiz do Supremo para que este assine a autorização e a prisão se configure. Compreenda-se então pelo grau de dificuldade imposto pela Constituição o porquê de até hoje, nunca na história da República, um Senador tenha sido preso, mesmo quando toda a opinião pública estivesse convencida de sua culpa.

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Posso imaginar a surpresa que foi também para o Senador, ser acordado por um policial federal com um mandado de prisão. Até porque não se trata de qualquer Senador, ainda que só o fato de tratar-se de um Senador já seja surpreendente. Delcídio do Amaral é o líder do governo no Senado, o parlamentar responsável pela leva e trás entre o Executivo e o Senado Federal, aquele que articula os interesses da Presidente Dilma Rousseff junto aos demais Senadores. Ele é provavelmente o mais poderoso dos Senadores excetuando-se, talvez, Renan Calheiros, o Presidente do Senado.

Mais surpreendente ainda deve ter sido para o Senador constatar que a assinatura do Juiz que autorizava sua prisão era do Ministro Teori Zavascki, reconhecido por decidir a favor do Governo, sempre que a interpretação da lei permite a dúvida, como fez recentemente ao imiscuir-se a revelia do que prescreve a Constituição nos ritos estabelecidos pelo Regimento interno da Câmara, proibindo aos Deputados Federais de contestar as decisões do Presidente da Câmara. Ou quando dificultou a condução das investigações ao confrontar a decisão do juiz condutor da operação, mandando soltar Alexandrino Salles Alencar, ex-diretor de Relações Institucionais da Odebrecht.

Tendo tudo a seu favor, devo concluir que, ou o Senador foi muito descuidado, ou estava demasiadamente confiante na virtual impunidade que o exercício de seu mandato lhe confere. Decorrente da posição que ocupa, é possível que ainda amanhã numa última cartada o Senado decida soltá-lo, confrontando a decisão do STF, como lhes garante a mesma Constituição.

Agora mesmo enquanto escrevo este artigo os Senadores estão reunidos, com transmissão ao vivo decidindo se o voto será secreto ou aberto. Decidam votar secreta ou abertamente. Decidam manter ou relaxar a prisão do colega, a relevância do que aconteceu hoje não poderá ser apagada. Pela primeira vez desde que o Partido dos Trabalhadores assumiu o poder, o Judiciário afirmou sua independência perante os demais poderes da República e isso os Congressistas não esquecerão jamais. Se eles não haviam se dado conta, agora sabem, que nenhum deles está acima do cumprimento da lei. Uma lição aprendida tardiamente, mas sempre bem vinda.
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