O Estado laico não pode se envolver em assuntos internos das igrejas. Mesmo peso, a mesma medida
Soube que o Ministério Público do Ceará entrou com uma ação contra a Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, que representa o grupo religioso das Testemunhas de Jeová no Brasil. Na ação o Ministério público acusa a entidade de promover a discriminação religiosa contra um de seus membros desassociados. Não quero entrar no mérito do inusitado que é ver uma entidade religiosa ser acusada de discriminação religiosa. Logo uma das mais preconceituosamente discriminadas que eu conheço. Nem vou abordar o teor do embasamento da ação legal que, na opinião de um leigo, qualquer advogado recém formado que seja simpatizante das Testemunhas de Jeová vai destruir em dois tempos.
O que me chamou a atenção neste episódio foi ver o Estado tentar interferir diretamente na orientação interna de uma entidade religiosa sem que os defensores do laicismo venham manifestar publicamente alguma contrariedade, como fazem quando ocorre o contrário.
Ora, a manifestação de culto é livre neste país, sendo facultado aos proponentes da religião arbitrar sobre as normas de culto a que todos os seus associados devam estar sujeitos, sem que o Estado opine. Desde que, é claro, não haja na orientação religiosa qualquer incitação a desobediência civil que contrarie a lei e a ordem da sociedade, o que não me parece ser o objeto da ação. Trata-se neste caso de uma ingerência do Estado nos regulamentos comportamentais estabelecidos como característicos de uma denominação religiosa. Imiscuidade indevida que, queiram ou não, fere o princípio da laicidade do Estado.
Porque a laicidade, diferente do que alguns parecem pensar, não é uma via de mão única. Para que os Estado exija o princípio da não interferência das igrejas em seus assuntos, deve dar o exemplo não tomando a iniciativa de fazer exatamente aquilo que não quer que lhe façam. O direito do Estado enquanto entidade autônoma vai até o ponto em que começam os direitos das demais entidades que o formam. Acatar a solicitação de interferência nos assuntos internos de uma entidade legalmente estabelecida ainda vai se mostrar um grande equívoco da parte do Ministério Público do Ceará, além de correr o risco de abrir precedentes com consequências imprevisíveis a partir de então.
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